Viajar é sempre uma conquista. Pode ser a nosso descobrimento. Fronteiras internas e externas que se ampliam e nos trazem novas paisagens e novos deslumbramentos. Quem em casa fica em paz, não faz boa romaria. Perde oportunidades e emoções, freqüentemente náufrago no desconhecimento, no preconceito, na simplificação e no provincianismo. A cidadania, a própria liberdade depende de nossa coragem para abrir os olhos - e também para abrir as asas.
Uma caminhada pelo ocaso do século 20, por exemplo, será sempre surpreendente e esclarecedora. Nos velhos quartéis da Rússia, o temido exército vermelho que mantinha o mundo imobilizado pelo medo ou pela esperança, agora descasca batatas, toma banho de cuia e lava seu uniforme puído nos córregos da decadência.
Na Alemanha vencida algumas décadas atrás, pelos deuses da embriaguez e do tormento, os alemães enfrentam os alemães, depois de caírem duas vezes de joelhos diante dos altares da guerra. O país se reergueu das cinzas, refez-se. E o desenvolvimento acelerado desceu das montanhas como uma irresistível peça de Wagner.
Homens, antes temidos, foram empurrados pelo destino para a solidão e a morte. Dialeticamente, as vítimas dos ditadores e do autoritarismo foram muitas vezes levadas da clandestinidade para os centros do poder.
Nestes primeiros tempos do século 21, desabam os mitos e se multiplicam as heresias. Desapareceram a bipolaridade e as simplificações da Guerra Fria. Não há mais santuários ou territórios sagrados. Convivemos com " a esperança e o temor - essas duas faces do futuro incerto" como disse Borges. Mas a desordem de hoje marca um renascimento. A democracia é agora a nossa grande aventura. Ela nos coloca diante do implacável espelho da História.
Rodolfo Konder
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